Entre 1505 e 1870 foram escravizados e transportados à América aproximadamente dez milhões de africanos, na migração mais extraordinária da história do homem. Os ingleses, que a princípio rejeitavam a escravidão, aderiram entusiasmados ao comércio de escravos, quando viram os copiosos benefícios obtidos do trabalho escravo pelos seus detestados rivais colonialistas, os espanhóis. A Inglaterra envolveu-se no mercado de escravos a meados do século XVII, se bem que já tinha levado africanos às suas colónias norte-americanas em 1619 um ano antes da chegada dos Pilgrims para trabalharem como servos forçados. Em 1788 Alexander Falconbridge estabeleceu seu An Account of the Slave Trade na costa africana: "Os pobres infelizes são obrigados às vezes também a cantar; mas quando o fazem, suas canções são geralmente saudosos lamentos devido ao exílio do seu país natal."
A este exílio somou-se uma nova demonstração de desumanização: a dissolução (através do sistema de leilão) de qualquer laço familiar ou tribal que tivesse sobrevivido ao deslocamento desde a África. As expressões da cultura e da religião eliminaram-se na sua maior parte, já que qualquer reunião se podia considerar como um pretexto para a insurreição. Privados da identidade do seu passado cultural e sem a possibilidade de se criar uma nova, os africanos da América não possuíam uma instituição que lhes oferecesse um núcleo cultural, um lugar de reunião fora do universo e da ideologia dos brancos até que surgiu a igreja afro-americana.
O primeiro batismo de um africano que se tem conhecimento nas colônias norte-americanas ocorreu em 1641. O ardor missionário na América foi abrandado devido a uma preocupante questão: batizar um africano lhe dava o direito a liberdade? Foram aprovadas leis a esse respeito de forma que isso não ocorresse, mas ainda não existia muita pressa para cristianizar os bens humanos dos colonos. Esta mentalidade mudou nos anos trinta do século XVIII, com o Grande Despertar, um ressurgimento religioso que se estendeu pela Inglaterra e América e que por fim considerou plausível que os escravos se covertessem. Entre os missionários que chegaram a América nessa década do século XVIII encontrava-se John Wesley, o fundador do metodismo. Suas pregações foram interrompidas pelos hinos do doutor Isaac Watts, um pastor, médico e compositor inglês, cuja música era mais viva e as letras eram mais próxima à linguagem daquela época do que os cerimoniosos salmos de então. As edições coloniais e spirituals dos hinos de Watts apareceram pela primeira vez em 1739 e demostraram ser especialmente populares entre os escravos. A formação religiosa que lhes ofereciam Wesley e os missionários, incluíam tanto as sagradas escrituras como também os hinos que reforçavam as pregações. Em 1755, o reverendo Samuel Davies, um evangelista presbiteriano, escreveu: “Não posso deixar de observar que os negros, mais que outras espécies humanas que conheço, tem o melhor ouvido para música. Experimentam uma espécie de gozo estático com a salmodia”.
Em 1760, o reverendo Todd, um missionário que distribuia livros de hinos entre os escravos recém convertidos, lamentava ver-se obrigado a mandar de volta, e com as mãos vazias, as diversas pessoas que tinham vindo para lhe pedir os salmos e os hinos de Watts.
Era 1800, nos Estados Unidos viviam mais de um milhão de negros, o que vinha a ser um 19 por cento da população total da nação. Mais de cem mil eram livres e entre esses encontravam-se os fundadores das primeiras igrejas afro-americanas. Richard Allen fundou a Igreja Metodista Episcopal Africana de Bethel na Filadélfia em 1794 e em 1801 publicou o primeiro hinário concebido exclusivamente para o uso de uma congregação negra.
A criação de igrejas negras segregadas foi de certa forma a resposta do mal-estar branco pela presença negra (também segregada) nos lugares de culto americanos, mas também proporcionou um verdadeiro centro comunitário longe das sanções e observações dos brancos. Este centro demonstrou ser firme como uma rocha durante gerações e transformou os seus pregadores em líderes da comunidade, que tomaram a sério o conselho de Watts: “Pastores também poderiam cultivar a capacidade de compor canções espirituais e utilizá-las juntamente com outras partes do ofício, pregar e orar”.
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